top of page

O massacre da alteridade

  • Foto do escritor: nayarakobori
    nayarakobori
  • 16 de fev. de 2022
  • 3 min de leitura

Publicado originalmente no site Observatório da Comunicação Institucional, no link: https://observatoriodacomunicacao.org.br/artigos/o-massacre-da-alteridade-por-nayara-kobori/


A notícia que mais chocou o Brasil esta semana foi o massacre de Suzano, ocorrido no dia 13 de março de 2019, na Escola Estadual Professor Raul Brasil. Dois atiradores encapuzados entraram na instituição, armadas com balestra, machado e arma de fogo – o que resultou em sete mortos, em plena hora do lanche.


O roteiro parece um plágio da matança de Columbine, de 1999, nos Estados Unidos, quando dois adolescentes assassinaram 13 pessoas, também em uma escola – episódio que, de tão trágico, virou filme.


Associando bullying, videogame e exposição exacerbada a conteúdos violentos, a mídia traçou uma narrativa que busca explicar os atos bárbaros e inimagináveis. É natural que busquemos uma explicação racional para a irracionalidade dos crimes, afinal, que razões podem levar um ser humano a adotar práticas violentas para com o outro? Seria doença? Influências? A maldade natural do homem? A construção narrativa esgota-se com o som das vozes de desespero das vítimas não mais presentes.


Por que em escolas?


Desenhar um target em instituições de ensino é algo profundamente pessoal. A escola, como um dos principais meios de interação e socialização do homem, aparece como um espaço múltiplo, onde se encontra o outro, o diferente. Em nosso individualismo exacerbado, egocêntrico e vaidoso, o diferente pode tornar-se sinônimo de ruim. E esquecemos que o mundo é bem maior que o nosso próprio umbigo.


Aí está o cerne da violência: o fim da responsabilidade para com o outro. O fim da compreensão – ou da mera percepção – da alteridade.


Parece-me, no entanto, que o individualismo violento é, no mínimo, dissonante. Somos o conjunto de vários outros, vários ‘eus’ que somam em nossa própria construção. Somos a soma de nossas relações sociais. Somos os outros dentro de nós mesmos. E, nessa assimétrica relação, esquecemos de nossa responsabilidade para com os outros que nos cercam. Isto, por si só, já é um ato de violência.


Mais uma vez, a escola foi alvo. A partir do processo da educação, percebemos o outro. A machadada nas costas do aluno aparece, então, como uma outra metáfora: não se mata somente a vida, mas a construção de outra vida que converge dentro de mim. Um indivíduo, ao empunhar o machado, pode tirar a vida de um outro que não se reconhece.


A total irresponsabilidade que tomou conta da sociedade é, a meu ver, o resultado de uma questão antiga, que tem como base a exclusão de tudo o que é diferente. Assim, não podemos aceitar quem não se encaixe em nossas próprias visões de mundo. Brada-se que as minorias devem curvar-se às maiorias, como se as minorias não fossem compostas, em primeiro lugar, por pessoas... como nós. Não trato, aqui, dos mascarados ‘caveira’, mas sim, das vozes que foram caladas – ss vítimas. Ao planejar o fim de um igual, perde-se a humanidade. Perde-se o valor pelo outro (se é que um dia valor existiu).


Não há construção de um eu em mãos de assassinos. Não há, nem ao menos, humanidade ou o próprio individualismo. E não podemos encarar o sujeito como um ‘fantoche’ das relações sociais. Por isso, não cabe culpabilizar o bullying, os games ou o cinema. O indivíduo agente é responsável por seus atos e responsivo aos demais. É nessa relação entre diferentes ‘eus’ construídos ‘alter’ que nasce o sentido da vida social. A violência de quem não entende o outro está numa escolha própria – sinistra, macabra, mórbida.


Assassinos escolhem não ser parte de um ‘eu’ com outros.


Quem não aceita o outro – e diferente – também escolhe abrir mão da humanidade.


Por isso, aliás, grita-se tanto por igualdade. E por respeito. E por empatia.


Respeitemos, sim, as minorias – elas compostas de tantos ‘eus’ quanto nós. Responsivos e responsáveis.


Tragicamente, o grito está sendo cada vez mais sufocado, pois perdeu-se a essência de compreensão do outro. A corresponsabilidade. E ela não virá por meio da boa moral e dos bons costumes. Estes só serviram para criar mais sujeitos irresponsáveis em seu nicho, que não aceitam diferenças. A responsabilidade é fruto de mais do que é costume. É fruto da educação para a alteridade.


コメント


© 2019 por Nayara Kobori. Criado com Wix.com

bottom of page